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Sócios

Ele foi seu primeiro namoradinho, primeiro amor. Aquele que ia cortejá-la quando ainda se usava essa palavra. Toda noite, sentados com a mão entre as pernas no sofá amarelado da sala, sob a supervisão e olhares atentos. Foi assim até se casarem.

 

Só depois de casada, descobriu que sempre que ia embora as nove, como exigido por seu pai, ia encontrar com outras na praça. Cidade do interior, os boatos correm. Apesar de magoada, perdoou. — Homem é assim mesmo. — Era o que pensava, o que aprendeu de tanto ouvir falarem a sua volta.

 

Em casa, até era um bom marido, ou ela achava que era, não conheceu outros homens para comparar. E assim completaram trinta anos juntos. Bodas de pérola, comemoradas com frango assado no forno de casa e um buquê da floricultura da rua de baixo.

 

Uma quarta dessas que a gente fica esparramada na cama, vendo qualquer bobagem no celular, tão mais ou menos quanto a vida que tinham, ele chegou empolgado com uma ideia: abrir uma importadora. Viu em algum lugar que era um mercado em alta.

Prestes a se aposentar, com uma reserva financeira considerável, casa e carros quitados e nenhum filho pra cuidar, se tornaram sócios.

A passos curtos, estavam aprendendo a administrar o negócio.

Na verdade, ela.

 

Já nos primeiros meses, a cônjuge percebeu que o parceiro não tinha tino para administrar nem uma barraca de limonada. Querias fazer retiradas do caixa sempre que possível e o pior, tratava mal os funcionários. Era grosso com o pessoal do estoque, gritava barbaridades com a faxineira, uma cena que a chocava todas as vezes.


Eles nunca tiveram um empregado antes, alguém que lhes prestasse serviços regulares. Logo, essa arrogância era uma faceta desconhecida. Sempre que o via subir a voz pra um subordinado, sentia asco, nojo. Era como se um escoteiro habilidoso houvesse dado um nó em suas tripas, um cabo de guerra entre a boca e o estômago onde o esôfago era quem mais sofria.

 

E assim os meses se empilhavam no calendário. Sentia que a saúde dos negócios dependia de sua administração, que sem ela, tudo iria pro buraco. E toda uma admiração de anos se esvaiu, dando espaço para indiferença, repulsa. Passou a não mais suportá-lo. Um trato comercial havia posto fim em um amor de décadas.

 

Aposentada e agora empresária, decidiu que queria viver tudo que a vida lhe permitisse. Iria se livrar do marido.

Passou a todo mês desviar uma parte dos lucros, a fim de recuperar seu investimento inicial, e um pouco mais. O preço de mercado por aturar um sócio incompetente.

Após reaver o que julgava justo, iria falar que a empresa faliu, (o que pensava que iria acontecer de qualquer jeito, devido a burrice do dito cujo) pegar a grana de sua parte para colocar silicone nos seios e mais algumas cirurgias estéticas que sempre quis. Viajar para Europa. Conhecer a vida, outros homens.

Quando voltasse, renovada, seguiria no ramo de importação.

Com quase sessenta, descobriu sua vocação, o que fazer da vida. Inclusive que havia uma vida além do casamento, de todas aquelas amarras que lhe foram impostas.

 

Do outro lado, o companheiro não sabia de nada, nem imaginava que enquanto estufava o peito, esbravejando ofensas aos funcionários, sua empresa ruía aos poucos, assim como o seu casamento.

 

Bem que dizem que muitas vezes o inimigo dorme ao nosso lado. Só não se sabe quem é inimigo de quem.

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